SAUDADE DÓI
Nova Lei protege o Direito de Visita.
Melissa Telles Barufi[1]
Toda pessoa tem o direito de conviver e de manter laços de afeto; entretanto, ocorrem situações que rompem esta convivência, impondo a necessidade da regulamentação deste direito.
A convivência familiar é um dos direitos fundamentais assegurados às crianças e adolescentes, tendo sido consagrado pela Constituição Federal de 1988, baseado na Declaração da Organização das Nações Unidas.
Agora, o Direito à Convivência Familiar ganha mais força com a aprovação da Lei que dispõe sobre Alienação Parental, pois o direito de visita, que é a forma de assegurá-la quando ocorrem situações que a rompem, será mais respeitado.
Infelizmente é muito normal atendermos mães, pais, avós e até irmãos que buscam uma maneira de poder visitar seus filhos, netos e irmãos para com eles manter os laços de amor.
Sabe-se que no Brasil, até os dias de hoje, existe previsão legal no tocante ao direito de visita somente aos pais[2], porém a jurisprudência vem preenchendo esta lacuna, concedendo este direito a outras pessoas, seja por laços sanguíneos ou sócioafetivos. Conforme sustenta Sílvio Neves Baptista (2000), “todas as pessoas têm a faculdade de receber visitas.”
No entanto, existe um grande número de ações de regulamentação de visitas e inúmeras ocorrências policiais, nas quais genitores que não possuem a guarda comunicam que, mesmo com ordem judicial, não conseguiram exercer seu direito.
A realidade não é nada simples: policiais, intimação de oficial de justiça, descumprimento de acordos entre as partes, descumprimento de ordens judiciais, audiências de conciliação e estudos sociais não são suficientes para garantir aos filhos de pais separados o direito de conviver normalmente com o genitor que não detém sua guarda ou com os familiares deste.
Existem genitores que não conseguem proteger os filhos de sua própria dor. Estão tão magoados com o fim do casamento ou romance que chegam ao lamentável ponto de usar o filho como ferramenta de vingança. O primeiro passo é impedir as visitas, não importando se existe ordem judicial ou não, se o filho está sofrendo ou não. A grande verdade é que existem genitores que são capazes de fazer de tudo para atingir o objetivo de não deixar que as visitas se realizem e tampouco permitem que um simples telefonema seja atendido, valendo-se, inclusive, de falsas denúncias.
O direito de visita assegura a manutenção de outros direitos e garantias fundamentais, especialmente nos laços afetivos entre visitante e visitado.
Quando uma criança ou adolescente é privado de se relacionar com quem ama, quando é privado do seu direito de ser visitado, seja pelo genitor que não detém a sua guarda, seja pelos avós, irmãos, tios, primos ou até mesmo por aqueles entes queridos com quem desenvolveu laços de afinidade, está sendo privado de sua dignidade.
O principio da dignidade da pessoa humana, previsto no artigo 1°, inciso III da Constituição Federal[3], é um dos princípios basilares do Direito Brasileiro, tendo importância salutar no Direito da Família, assim como o princípio da afetividade e o princípio do melhor interesse da criança e do adolescente.
O Presidente do IBDFAM, Rodrigo da Cunha Pereira (2005), descreve com propriedade o que vem a ser este princípio:
“A dignidade é um macroprincípio sob o qual irradiam e estão contidos outros princípios e valores essenciais como a liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, alteridade e solidariedade. São, portanto, uma coleção de princípios éticos. Isto significa que é contrário a todo nosso direito qualquer ato que não tenha como fundamento a soberania, a cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, e o pluralismo político. Essas inscrições constitucionais são resultado e conseqüência de lutas e conquistas políticas associadas à evolução do pensamento, desenvolvimento das ciências e das novas tecnologias. É a noção de dignidade e indignidade que possibilitou pensar, organizar e desenvolver os direitos humanos.”
Ocorre que não basta apenas garantir um direito, é necessário também garantir que este direito seja cumprido; não é suficiente, atualmente, uma ordem judicial, mas outros meios que assegurem seu efetivo cumprimento. E é neste contexto que podemos apostar que a nova lei veio proteger o Direito de Visita, pois nela está a essência da manutenção da convivência familiar.
A Lei da Alienação Parental protege o direito de Convivência Familiar e diz que aquele que dificultá-lo estará cometendo Alienação Parental.
A Lei nº 12.318/2010, que entrou em vigor no dia 26/8/2010, considera ato de alienação parental a interferência na formação psicológica da criança ou do adolescente promovida ou induzida por um dos genitores, pelos avós ou pelos que tenham a criança ou adolescente sob a sua autoridade, guarda ou vigilância, para que repudie genitor ou que cause prejuízo ao estabelecimento ou à manutenção de vínculos. E exemplifica os atos que podem ser enquadrados como Alienação Parental, dentre eles o inciso IV, do art. 2º: dificultar o exercício do direito regulamentado de convivência familiar.
Conforme o artigo 3º da referida Lei, a prática de ato de Alienação Parental fere o direito fundamental da criança ou do adolescente de convivência familiar saudável, prejudica a troca de afeto nas relações com o genitor e com o grupo familiar, constitui abuso moral contra a criança ou adolescente e descumprimento dos deveres inerentes à autoridade parental ou decorrentes de tutela ou guarda.
Assim, a partir da aprovação desta Lei, genitores que não respeitarem o direito de convivência familiar, por exemplo, interferir para que as visitas não se realizem, poderão (sem prejuízo das sanções já existentes): receber advertência, multa, perder a guarda ou até suspensão da autoridade parental. Também, se for caracterizada mudança abusiva de endereço, inviabilização ou obstrução à convivência familiar, o Juiz poderá inverter a obrigação de levar ou retirar a criança ou adolescente da residência do genitor, por ocasião das alternâncias dos períodos de convivência familiar.
Consideramos que um dos primeiros indícios de Alienação Parental é a tentativa de prejudicar o exercício das visitas e que, ao contrário do que se pensa, é fácil de ser identificado, pois as desculpas são repetitivas: “ele está dormindo”, “ele está jantando”, “ele não pode atender” e, no final, “ele não quer ir com você”.
Perguntamo-nos o que passa na cabeça desta criança que está sendo usada como um “fantoche”. O que ela pensa quando o genitor não aparece no dia das visitas? O que é dito para ela?
E mesmo que esta criança se convença da resposta que recebe, mesmo que ela comece a pensar como o alienador deseja, no fundo de seu coração permanece a sensação de abandono e a saudade estará presente mesmo que sufocada.
A Doutora em Psicologia Sandra Baccara[4], em seu artigo “Psicologia e a Alienação Parental[5]”, demonstra os prejuízos que crianças e adolescentes sofrem quando envolvidos neste processo destrutivo.
“Estes processos de alienação causam nas crianças/adolescentes grandes danos emocionais e psíquicos, pois estes se tornam um alvo claro para a destruição do ‘objeto de ódio’ do genitor alienante. Destruir este alvo é a forma que o alienador encontra de ‘matar’ a frustração pela perda vivida, sem levar em conta o resultado final, ou seja, o dano causado aos filhos.
Os filhos não podem se estruturar enquanto sujeitos, uma vez que não conseguem desejar além do desejo do alienador. Este, uma vez que não conseguiu se diferenciar do filho alienado, acredita, mesmo que inconscientemente, que pode formar com ele uma díade perfeita. Desta forma a criança não se individualiza e com isso não alcança o espaço do seu desejo. Enquanto objetos de posse e controle, os filhos passam a agir de acordo com o que o alienador lhes ‘impõe’.
O resultado deste processo é um profundo sentimento de desamparo, gerando por parte da criança/adolescente um grito de socorro que não é ouvido. Uma vez que não é reconhecido como sujeito, esse grito acaba por se transformar em sintoma, que poderá ser expresso tanto no corpo, por um processo de somatização, quanto por um comportamento antissocial.” (2...)
Muito ainda se estudará sobre a aplicação desta nova Lei, mas de uma coisa estamos certas: ela veio amparar o Direito de Visitas, que é a forma de manter a convivência familiar.
A Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU, a Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente listam diversos direitos que devem ser alvo de proteção prioritariamente pelo Estado e pela família, a fim de garantir uma existência digna e o desenvolvimento pleno da criança e adolescente.
Para haver a efetivação de todos os direitos fundamentais que são assegurados à criança e adolescente, é necessário garantir a convivência familiar. Instituições não são como família, pois o vínculo familiar é calcado no afeto. E é por isso, com base na importância dessa convivência familiar, que permitirá um desenvolvimento com dignidade e efetivação dos direitos humanos, que o art. 19 do Estatuto da Criança e do Adolescente dispõe: “Toda criança ou adolescente tem direito a ser criado e educado no seio da sua família e, excepcionalmente, em família substituta”.
[1] Melissa Telles Barufi, advogada Familista, inscrita na OAB/RS 68643, sócia do Escritório de advocacia Telles e Dala Nora e sócia Fundadora da Associação Gaucha Criança Feliz. www.tellesdalanora.com.br
[2] Direito previsto no artigo 15, da Lei nº 6.515/77, que preconiza: “Os pais, em cuja guarda não estiverem os filhos, poderão visitá-los e tê-los em sua companhia, segundo fixar o juiz, bem como fiscalizar sua manutenção e educação”.
[3] Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
[4] Possui graduação em Psicologia pelo Centro de Estudos Superior de Juiz de Fora (1978), Mestrado em Psicologia (Psicologia Clínica) pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1982) e Doutorado em Psicologia pela Universidade de Brasília (2006). É Professora Emérita da Escola de Magistratura Federal da Primeira Região. Tem experiência na área de Psicologia, com ênfase em Psicologia do Desenvolvimento, Psicologia Clínica e Psicologia Jurídica, atuando principalmente nos seguintes temas: infância, família, função paterna, anorexia e adolescência.
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